

A ordem Anura, mais diversificada entre as três pertencentes aos anfíbios, representa um grupo bastante derivado de tetrápodes (embora possua diversas características comuns com o ancestral de todos os vertebrados terrestres), que consiste dos sapos, rãs e pererecas. Tendo mantido a associação a ambientes úmidos e, em muitos casos, o desenvolvimento aquático de seus ovos e larvas, a adaptação a ambientes secos é rara e apomórfica, e seu tegumento é fino e bastante permeável, sendo importante nas trocas de íons e gases entre o animal e o ambiente. Diferentemente dos outros grupos de anfíbios, a maioria dos anuros possui membros bastante desenvolvidos, uma adaptação ao meio terrestre e silvícola e a predação e fuga de predadores que serve, como exaptação, a complexos comportamentos de corte. Os anuros possuem mais algumas exclusividades bastante peculiares, como uma língua elástica extremamente eficiente na predação de pequenos invertebrados e glândulas produtoras de veneno. Em alguns grupos, esses venenos são muito potentes e podem estar associados ao aposematismo.
Os anuros, tendo mantido sua biologia adaptada aos ambientes úmidos de regiões tropicais e subtropicais e ao desenvolvimento aquático, desenvolveram diversas estratégias reprodutivas altamente especializadas e variáveis em comportamento, regulação do desenvolvimento embrionário e exploração dos ambientes disponíveis. Esse tipo de tendência evolutiva relativa à reprodução leva a interações ecológicas bastante específicas e sensíveis, tais como a relação animal-planta e a dependência de condições climáticas bastante favoráveis.
O processo evolutivo que conduziu à grande diversidade de cores e morfologia, dentre muitas espécies, inclui a constituição de “ilhas” ambientais favoráveis ao modo de vida dessas espécies. Conectando essas ilhas de vegetação, surgem periodicamente corredores ambientais que permitem a reintegração das populações de anuros anteriormente isoladas. Esses ressurgimentos de vegetação acompanham as mudanças climáticas cíclicas naturais da Terra, e seguem intervalos de milhares a milhões de anos. A separação de populações resultante desse processo, bem como a competição e a necessidade de diferenciação de grupos geneticamente incompatíveis quando a conecção entre esses ambientes é restabelecida, acabam gerando uma grande diversidade de grupos relativamente próximos e de nichos parecidos de anuros. Contudo, mudanças ambientais radicais tendem a ter um fator muito mais drástico sobre os organismos vivos, e aparentemente estamos passando por um período, nesse aspecto, singular durante a história do planeta.
Desde a década de 1980, publicações científicas vêm indicando uma redução exponencial nas populações de anuros ao redor de todo o mundo. Existem diversas possíveis causas para esse efeito, incluindo diversas formas de perturbação ambiental. Estudos indicam que cerca de um terço da biodiversidade de anfíbios está ameaçada, enquanto mamíferos têm 23% das espécies ameaçadas e aves têm apenas 12%. Além disso, cerca de 120 espécies de anfíbios foram extintas entre 1984 e 2004. Um estudo feito na Costa Rica demonstrou que a biodiversidade de anfíbios no país foi reduzida em 75% entre 1972 e 2007.
Os anuros, grupo que possui de longe o maior número de espécies, indivíduos e mais ampla distribuição, são grandemente afetados por esse fenômeno. Fatores que são indicados como possíveis prejudicadores das suas populações são poluição, doenças, perda de habitat, mudanças climáticas, competição e predação de espécies invasoras e a radiação ultravioleta aumentada devido à degeneração da camada de ozônio. Todos esses fatores são, direta ou indiretamente, causados pela influência antrópica sobre o ambiente. O grande crescimento das populações humanas e seu desenvolvimento expansivo e exploratório vem causando, pelo menos nos últimos 30 anos, um grande impacto nos anuros do mundo.
Além do aumento das taxas de mortalidade e da diminuição das populações devido à restrição dos ambientes, os poluentes e outros fatores ambientais causam, de forma geral, uma maior suscetividade dos anuros a infecções e doenças. Esses fatores vêm causando um grande aumento nas malformações em girinos e indivíduos adultos, afirma a Dra. Carol Meteyer, do USGS National Wildlife Health Center, nos EUA. Isso também reduz as chances de sobrevivência e reprodução desses animais. Além disso, como argumenta Pieter Johnson, esse fenômeno pode ser causado pela presença de parasitas na cadeia alimentar dos anfíbios.
Os anuros sempre foram considerados bons indicadores ambientais por terem grande parte do seu desenvolvimento na água, além de sua pele ser permeável a trocas com o ambiente. Essas mesmas características são tidas como grandes responsáveis pela sensibilidade do grupo a alterações no ambiente, e esse seu papel é corroborado por um estudo de Quaranta e de seus colaboradores que indica uma permeabilidade a toxinas muito maior na pele de rãs do gênero Rana do que na de porcos, que representaram os mamíferos nesse projeto de pesquisa. Estudos recentes, no entanto, demonstraram que os anfíbios não são afetados por poluentes aquáticos em um grau maior do que outros grupos de animais; dessa forma, as razões dessa sensibilidade indubitável podem se mostrar um pouco mais complexas.
Como já foi mencionado anteriormente, a biologia reprodutiva de muitas espécies de anuros depende de estreitos equilíbrios ecológicos, como a presença de determinadas espécies vegetais próximas a cursos d’água ou de condições climáticas bastante específicas. Esse pode ser um ponto chave no entendimento da fragilidade dos anuros às alterações que seus ambientes vêm sofrendo nas últimas décadas. O equilíbrio do qual depende a reprodução dessas espécies é muito tênue perante às ações que nós, humanos, produzimos; no entanto, as pressões evolutivas que resultaram na designação da biologia reprodutiva dessas espécies não incluiram o tipo de alteração que os homens parecem incapazes de parar de causar. Assim, existe um grande impacto devido a uma abrupta “mudança de sentido” nas pressões ecológicas que regem o processo evolutivo.
Não é novidade que mudanças muito drásticas nos padrões ecológicos de um ambiente causem extinções em massa. No limite Cretáceo-Terciário, no qual se extinguiram quase todos os vertebrados terrestres, especialmente aqueles popularmente conhecidos como dinossauros (sobrando o único ramo que levou à origem das aves), uma série de alterações climáticas causadas por, até onde sabemos, o impacto de um cometa na península de Yucatán. Nesse caso, as alterações que esse evento engendrou não foram duradouras, mas, caso fossem, sem dúvida os organismos sobreviventes produziriam linhagens adaptadas às novas condições. E, caso essas fossem alteradas então de volta para como eram anteriormente, provavelmente mais um grande grupo de espécies de animais seria extinto. Dessa forma, não importam tanto quais são as características ambientais para que espécies sobrevivam, mas sim que as mudanças nessas características sejam graduais.
Além dos fatores abióticos que influenciam o declínio nas populações de anuros e da destituição da capacidade desses animais de realizar as interações ecológicas às quais estão adaptados, há outro grande problema que prejudica a capacidade de sobrevivência desses animais. A introdução de novas espécies, vindas de regiões biogeograficamente distintas, causa grandes desequilíbrios aos ecossistemas. Isso acontece por um motivo em comum com o das outras alterações que nós estivemos causando até agora, a mudança de pressão seletiva.
Quando uma nova espécie é introduzida em um ambiente ela tende a apresentar os parâmetros comportamentais e fisiológicos muito parecidos com os que possui em seu habitat natural. No entanto, dentre essas novas condições pode haver espécies que não tiveram, na sua história evolutiva, um interaginte equivalente à nova espécie. E isso caracteriza a introdução, súbita, de uma nova pressão evolutiva.
É claro que essa nova pressão pode gerar todo tipo de resultado. Uma espécie vegetal em cujo ambiente é introduzido um excelente dispersor para suas sementes tende a se proliferar mais a partir dessa introdução, e talvez daqui a algum tempo o investimento energético que ela dispende na produção de seus frutos diminua em prol do aumento de frutos e gere uma distribuição ainda mais eficiente. No entanto, é possível que esse efeito gere uma competividade excessiva com outras espécies de plantas, que podem vir a ser extintas. O equilíbrio ecológico daquele ambiente terá sido afetado, e isso comumente leva à perda de biodiversidade.
Da mesma forma, a introdução de espécies de invertebrados, peixes, plantas, tetrápodes e até mesmo outros anfíbios, entre muitos exemplos possíveis, pode (e geralmente o faz) levar a um desequilíbrio prejudicial às espécies de anuros, devido principalmente à competição e à predação.
FONTES:
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malformations and aquatic eutrophication - Ecology Letters, (2004) 7: 521–526
Kerby,J; Richards-Hrdlicka, K; Storfer, A; Skelly, D. An examination of amphibian sensitivity to
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canaries? - Ecology Letters, (2010) 13: 60–67
Blaustein, A; Belden, L; Olson, D; Green, D; Root, T; Kiesecker, J. Amphibian Breeding and Climate Change – Conservation Biology, pages 1804 – 1809. Volume 15, number 6, December 2001.
Dawkins, R. The Ancestor Tale. Weidenfeld & Nicolson Ltd, London. 2004.
Amphibia web - http://amphibiaweb.org/declines/lit/index.html em 02/06/2010.
National Wildlife Health Center - http://www.nwhc.usgs.gov/our_research/amphibian_research_and_monitoring_initiative.jsp em 02/06/2010.
Esse post contém grande parte de um trabalho a ser apresentado à disciplina de Herpetologia, do professor Dr. Célio Haddad.